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Histórias das periferias contadas por quem vive nelas 🗣️

Olá, tudo bem? Aqui é Marco Ferro, jornalista da Cajueira.

Apesar do registro em 1999, o bairro Santa Maria, em Aracaju (SE), ainda carrega os estigmas de quando era chamado de “Terra Dura”. Mas quem caminha por suas ruas e presta atenção no que se desenvolve ali, entende que a periferia é território de potência. Tatiane Macena sabe bem disso. Jornalista preta, primeira da família a concluir o ensino superior, ela decidiu que sua profissão teria um compromisso claro: contar histórias do seu lugar.

Foi assim que nasceu o Periféricos, site independente que Tatiane lançou a partir do seu TCC. O projeto coloca a periferia no centro da narrativa, mas não da maneira que estamos acostumados a ver na grande mídia – quase sempre pelo recorte da carência e da violência. O que Tatiane faz é diferente: ela mostra a periferia como lugar onde se cria, valorizando o que é produzido e vivido ali. Conversamos com ela sobre a iniciativa, a importância de falar de onde se está e os desafios de produzir jornalismo na contramão do olhar hegemônico.

Está curtindo nossas entrevistas este ano? Já passaram por aqui a pesquisadora Raquel Paris, em um papo sobre território e ancestralidade; o jornalista Ricardo Moura, discutindo segurança pública; e a escritora Adelaide Ivánova, que assinou uma edição especial de Carnaval.

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Existe alguma diferença de falar de periferias no Nordeste ou de periferias em outros lugares do país, como São Paulo e Rio de Janeiro? Quais são as diferenças de narrativas?

A periferia é, antes de tudo, aquilo que está fora do centro – seja do ponto de vista geográfico, social ou narrativo. Essa condição impacta diretamente como contamos essas histórias, refletindo na cultura, no modo de vida e na linguagem. No bairro Santa Maria [em Aracaju (SE)] por exemplo, é comum ver pessoas sentadas na calçada no fim da tarde, reunidas nos fins de semana para um churrasco e uma cerveja. No Rio de Janeiro, os bailes funk também fazem parte das favelas e devem ser considerados. Em São Paulo, o hip-hop tem uma forte presença e, em outros territórios, o brega funk é frequente. Essas particularidades culturais influenciam as narrativas jornalísticas, pois quem as conta precisa compreender e respeitar essas diferenças.

Você criou o Periféricos dentro da universidade, mas logo ele se tornou um projeto maior. Em que momento percebeu que não queria que ele ficasse apenas no TCC?

Quando criei o Periféricos, no início, havia muito medo. Vindo da periferia, é comum duvidarmos da nossa capacidade, e eu me perguntava se conseguiria levar o projeto adiante. Mas, ao pesquisar, estudar e entrar em outros territórios periféricos, percebi que o estigma que recai sobre essas áreas – muitas vezes reforçado pela imprensa – não era exclusivo do Santa Maria. Então, desde o começo, eu sabia que não queria que o site ficasse restrito ao TCC. Minha intenção sempre foi expandi-lo e dar visibilidade às vozes periféricas. Hoje, olhando para o que o projeto se tornou, vejo o quão importante foi essa decisão.

Seu trabalho nasce da vontade de mudar a forma como a periferia é vista e narrada. Como lidar com um jornalismo que insiste em colocar esses territórios apenas no lugar da carência?

Sempre me incomodou ver meu bairro sendo pautado só dessa forma. Minha reação foi criar um espaço onde a periferia seja narrada por quem vive nela, permitindo que outras pessoas periféricas contem suas próprias histórias, a partir de seus lugares de pertencimento.

A imprensa tradicional ainda insiste em colocar os sujeitos periféricos em um lugar de invisibilidade, como se não tivéssemos voz. Mas sabemos que temos.

A mudança virá à medida que pessoas periféricas ocuparem espaços e comunicadores se incomodarem com essa narrativa única e tomarem a iniciativa de transformá-la. Não basta reconhecer o problema; é preciso agir.

Você inverte a lógica do olhar: não é a periferia sendo observada de fora, mas a periferia olhando para si e falando de si. O que muda quando a narrativa parte de dentro?

Eu sigo muito a perspectiva da jornalista Fabiana Moraes, que enfatiza a importância de trazer a narrativa “de dentro”, ou seja, contar as histórias a partir da vivência e do olhar de quem está nesses territórios. E nisso, a questão da representatividade é muito importante.

Quando uma mulher preta e periférica fala, outras se identificam e se veem nas narrativas que pautamos. Fazemos um jornalismo de “dentro para dentro”, para que a periferia se veja, se reconheça e se fortaleça a partir de sua própria perspectiva.

E também de “dentro para fora”, para romper com a visão estereotipada e limitada que historicamente nos impuseram.

Você decidiu trilhar um caminho do jornalismo independente. Isso significa mais liberdade, mas também mais desafios. Quais são as maiores dificuldades?

Contamos com uma equipe de nove mulheres que trabalham voluntariamente. Nossa maior dificuldade hoje é a falta de recursos. Atualmente, mantenho o site com dinheiro próprio e espero que, com a bolsa do mestrado, consiga dar um novo fôlego ao projeto.

Também não tive referências de veículos voltados para o jornalismo periférico em Sergipe, o que tornou o caminho mais difícil. Mas espero que meu trabalho inspire outros comunicadores periféricos que virão depois de mim; inclusive, para as meninas que colaboram com o site, espero que elas possam criar veículos/coletivos em seus próprios territórios. E, mais do que isso, que eles encontrem um cenário mais favorável, com mais incentivo e apoio ao jornalismo independente.

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