Oi, como a jovem senhora ou o senhor está hoje? Com o corpinho lascado da farra no Carnaval, pronta(o) pra outra ou muito plena(o) por ter descansado nos últimos dias? A gente da Cajueira amaaaa carnavalizar, tá no sangue nordestino, que obviamente tem as melhores festas há muitas décadas…
E agora, na volta do melhor feriado do ano (só perde ou empata pro São João, né?!), a gente tem um presente pra tu: simplesmente convidamos a brilhante Adelaide Ivanova para escrever aqui nessa newsletter hoje. Babado! Ela tem uma mensagem fodona sobre algo lindo que aconteceu durante a folia e deixou as cajus aqui arrepiadas.
E se você não sabe quem é Adelaide, tás por fora, visse! Ela é pernambucana, fotógrafa, poeta, escritora e tradutora brasileira. Estudou jornalismo na Universidade Católica de Pernambuco (Unicap).
Pois essa é A Edição pós-carnaval (tamu chiques demais!).
Sirva-se. Um cheiro.
Eu não sei vocês, mas eu tive um treco quando vi o vídeo de João Gomes cantando A praieira na sexta-feira de carnaval, no Marco Zero, em Recife. Tive um treco porque, além dessa ter sido a primeira vez que João flerta com o manguebeat, A praieira não é um hit qualquer – é um poema espetacular de Chico Science, dedicado à revolução pernambucana de mesmo nome, que aconteceu entre 1848 e 1850, de caráter nacionalista, republicano, antilatifundiário e pró-liberdade de imprensa.
João parece saber muito bem disso: “Chico trouxe sempre uma mensagem importante em suas músicas. E quebrou barreiras”. Sua estreia como mangueboy vem menos de dois meses depois de Benito Antonio Martinez Ocasio, o Bad Bunny, lançar DtMF, álbum de protesto que trata da luta dos portorriquenhos por autodeterminação. Em poucas horas, o disco virou porta-voz dos países do assim-chamado “terceiro mundo”, e viralizou da Patagônia à Palestina (onde se tornou uma espécie de hino dos palestinos tentando voltar pra casa, depois do cessar-fogo xexelento de 15 de janeiro).
Ao unir canções que unem protesto antiimperialista com dor de corno, Bad Bunny inaugurou uma nova era, tanto para a música pop, como para a música engajada – e criou uma onda de conscientização popular via pista de dança que não víamos acontecer há muito, muito tempo.
É nesse contexto que João Gomes sobe ao palco do Marco Zero. Mesmo que quem criou o repertório daquela noite não tenha pensado no teor político da letra, e a escolha de A praieira tenha sido baseada em critérios exclusivamente musicais (afinal, ela não deixa de ser um hit chicletoso, com o riff inesquecível e o fenomenal verso: “uma cerveja antes do almoço é muito bom pra ficar pensando melhor”!). Mas a performance acontece no bojo da mudança de paradigma político-musical trazida por DtMF e se insere neste contexto histórico.
União entre interior e capital
Quando João Gomes escolhe cantar um hino do manguebeat, mas com sua inconfundível e insuperável pegada de vaqueiro, ele faz quatro coisas ao mesmo tempo: 1) une o melhor da nossa cultura de ontem e de hoje; 2) diminui a distância simbólica entre interior e capital; e 3) desafia a lógica de que é a periferia, o popular, quem tem que se adaptar às demandas do centro, do erudito. Aliás, já vimos esse filme quando, por exemplo, Mãeana e Mark Ronson fizeram versões hipsterizadas, quase “correções” dos hits populares de, respectivamente, João Gomes e Britney Spears).
João iniciou sua carreira no piseiro que é, por si só, um gênero transformador – já que o piseiro reinventou, por um lado, o brega de tecladinho e, de outro, o forró de sanfona-triângulo-zabumba. No entanto, de uns dois anos pra cá, João vem sinalizando, com cada vez mais frequência, uma vontade de olhar pro legado da música pernambucana – num gesto de “retomada” que é muito parecido com o gesto libertador de que Bad Bunny fez no revolucionário DtMF.
Uma das coisas mais potentes do disco de Benito não é somente essa retomada, mas é a capacidade de fazer um disco de teor extremamente político (e politizante!), que se recusa a abrir mão do corpo. Isso porque um dos defeitos da esquerda ocidental foi, durante muito tempo, priorizar a mente em detrimento do corpo. Bad Bunny, ao contrário, coloca o direito de rebolar a raba, enquanto denuncia tanto o neocolonialismo estadunidense, quanto o chifre que levou. Tudo ao mesmo tempo, porque a vida é assim: tudo ao mesmo tempo!
E aqui entra, então, a quarta coisa que João nos presenteou na sexta de carnaval: quando A praieira vira piseiro, João adiciona na equação aquilo que o rock nunca é capaz, que é fazer do corpo uma celebração a dois (e não somente aquilo que você desfruta sozinho, como no head bang do metal, ou pela catarse via simulacro de violência, como na roda de pogo do punk).
Talvez João saiba de tudo isso, talvez não, mas o que interessa é que, devagar, ele vai se tornando gênio da música popular brasileira tal qual ela é – e não como o mainstream branco-sudestino gostaria que ela fosse!
Tradição e identidade nordestina ✨
Bom demais conhecer a história daquilo que a gente ama, né? Entender como a nossa identidade cultural molda quem somos e, ao mesmo tempo, depende da gente para seguir viva. É assim que as tradições se fortalecem: passam de geração em geração, até virarem parte do nosso cotidiano. Estão no saber-fazer, nas práticas religiosas, nos ritmos, nos sabores – e, quando crescem forte o suficiente, ganham até o nome de patrimônio.
É sobre isso que fala a segunda temporada da série Tamborim, que já passou por Sergipe e Bahia. E semana que vem tem mais!
Essa força também está nas ruas, no jeito que a gente faz do Carnaval um espaço de alegria coletiva. No nosso Instagram, reunimos algumas tradições que fazem a festa no Nordeste. Passa lá pra conferir!
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