A Invisibilidade da Caatinga no debate sobre financiamento climático 🤔

Quem acompanha as COPs e os fóruns internacionais de negociação já sabe que a pauta do financiamento climático é uma das mais tensas e, quase sempre, uma frustração coletiva. Na COP29, o debate sobre financiamento climático se estendeu além do previsto, justamente pela dificuldade em se chegar a um consenso. O acordo final estabeleceu uma meta de 300 bilhões de dólares por ano até 2035, somando recursos públicos e privados, destinados a países mais pobres e vulneráveis. O valor, no entanto, ainda está abaixo dos 1,3 trilhão de dólares anuais que países em desenvolvimento defendem como o mínimo necessário para enfrentar os efeitos da crise climática.

Ainda com os recursos insuficientes, a Caatinga permanece ausente dos holofotes, mesmo sendo o único bioma exclusivamente brasileiro, habitado por mais de 27 milhões de pessoas e com uma biodiversidade que não existe em nenhum outro lugar do mundo.

Como disse Carlos Magno, do Centro Sabiá: “A primeira coisa é que ninguém sabe sobre a Caatinga. Como é que vão financiar um bioma que sequer conhecem?” O desconhecimento é um dos maiores obstáculos para que a Caatinga se torne prioridade nas políticas climáticas e na alocação de recursos. Não se protege o que não se valoriza e não se valoriza o que não se conhece. Esse apagamento contribui para a precarização de uma região que já enfrenta desafios históricos de desenvolvimento, infraestrutura e acesso a direitos básicos.

O que se vê hoje é que, apesar de existirem políticas e recursos destinados ao enfrentamento da crise climática, a Caatinga segue à margem. E isso se agrava quando consideramos os dados. Segundo o Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, o bioma pode perder até 50% de sua cobertura vegetal nativa até 2050. Já o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) aponta que mais de 42% do seu território já foi significativamente alterado. As projeções para 2060 indicam que 90% da área pode sofrer perda de espécies e redução de pelo menos 40% da variabilidade biológica. É, hoje, um dos biomas mais vulneráveis do planeta.

Como lembra o jornalista Jeff Goodell no livro The Heat Will Kill You First, a emergência climática não será democrática. Alguns lugares vão arder mais, e a Caatinga está entre eles. A região semiárida do Brasil já aquece quatro vezes mais que a média global. O risco de desertificação deixou de ser uma possibilidade futura e passou a ser uma transformação em curso, silenciosa e invisível aos olhos de quem toma as decisões.

Ainda assim, o pouco financiamento climático que chega ao Brasil tem destino certo: grandes estruturas, projetos robustos e organizações com capacidade técnica elevada. As experiências locais, conduzidas por agricultores familiares, redes comunitárias e coletivos que já atuam com tecnologias sociais e adaptação ao clima, ficam com uma parte bem pequena (mas bem pequena mesmo!) deste recurso. Falta reconhecimento e falta estrutura para fazer com que esses recursos cheguem à ponta.

A verdade é que não basta falar de transição climática sem falar de justiça climática. E justiça, aqui, significa olhar para biomas historicamente negligenciados, para territórios que enfrentam cotidianamente os efeitos do colapso ambiental, e para soluções que nascem do território. A Caatinga precisa deixar de ser exceção e passar a ser pauta. Porque não se trata apenas de proteger um bioma, mas de garantir futuro para quem já vive em clima de emergência há décadas e tem se reinventado para produzir soluções eficientes, que muitas vezes dão aula ao resto do mundo.

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