Cangaço: “nem só herói, nem só bandido”🏜

Oiê, como estais?

Aqui é Marco Ferro, colaborador da Cajueira. Nas histórias de cordel, Lampião já foi ao céu e ao inferno. Tem quem veja Virgulino como um revolucionário que enfrentou as estruturas de poder do sertão e tem quem reduza o cangaço ao banditismo e à violência.

Sem visões simplistas, o cangaço foi um movimento que durou cerca de um século, mas que deixou uma bagagem inegável na identidade cultural nordestina e entrou para o imaginário social. Nesta edição, conversei com o sergipano Robério Santos, que é jornalista, professor, escritor, pesquisador e criador do “O Cangaço na Literatura”, o maior canal sobre o tema no Brasil. Ele também foi consultor da novela “Guerreiros do Sol”, da TV Globo, e foi ator no filme “Zé da Cupira, o Cangaceiro de Poço Redondo”, dirigido por Beto Patriota e rodado em vários estados do Nordeste.

Na nossa conversa, falamos um pouco das contradições do cangaço e de como o movimento se tornou uma espécie de símbolo da identidade nordestina. Para Santos, o cangaço foi “um fenômeno social complexo, filho da desigualdade, da ausência do Estado e do desespero. Nem só herói, nem só bandido, foi sobrevivência”, explica.

Antes de passarmos para a entrevista, quero te lembrar que, no nosso site, você pode reler todas as nossas edições e ainda encontrar notícias fresquinhas de todos os estados do Nordeste. Nos ajude a continuar nosso trabalho contribuindo com a campanha Plantio no apoia.se/cajueira, com valores a partir de R$5 mensais, e/ou envie um pix de qualquer valor para cajueira.ne@gmail.com.

Simbora? Sirva-se.


O modo como o cangaço é lembrado varia bastante dentro e fora do Nordeste. O que explica essa disputa narrativa? E como você define esse movimento?

O cangaço divide opiniões porque já nasceu cheio de contradições. Para uns, era rebeldia diante da fome e da injustiça; para outros, pura violência. O sertão sempre foi feito dessas nuances: o mesmo homem que ajudava um pobre num dia, podia cometer um crime bárbaro no outro.

Eu costumo dizer que o cangaço foi um fenômeno social complexo, filho da desigualdade, da ausência do Estado e do desespero. Nem só herói, nem só bandido, foi sobrevivência, resistência e, depois, acabou virando campo de estudo em todo planeta Terra. Sendo exato, é o maior tema histórico brasileiro.

De onde veio seu interesse pelo cangaço?

Eu fiz parte do filme Zé da Cupira no papel do Coronel, foi uma grande experiência participar deste longa. Já em Nossa Senhora Aparecida, em Sergipe, nasci em Itabaiana, mas cresci em Aparecida, as histórias do cangaço estavam em todo canto: nas conversas de família, nas fotos antigas, nos cordéis que rodavam nas casas dos amigos. Desde menino me encantei com esse universo e comecei a juntar tudo o que encontrava. O que era curiosidade de garoto virou paixão de pesquisador, e hoje é missão de vida.

Em fevereiro, estive em Poço Redondo (SE) e acompanhei o lançamento do filme “Zé Cupira” em sessão aberta para o público. Vi crianças encantadas, tanto com a sessão quanto com o xaxado e declamação dos cordéis. Você acha importante que essas histórias sejam contadas desde cedo?

Acho fundamental que todos conheçam essa história desde cedo. Quando elas assistem a um filme, dançam xaxado ou recitam um cordel, não é só diversão: é reconhecimento. Isso gera pertencimento, dá orgulho do lugar onde vivem e mostra que o sertão tem uma cultura riquíssima, que merece ser celebrada. É plantar identidade e colher autoestima.

Em entrevista recente ao Podcast Nordestino, levantei uma ideia de que deveria ser obrigatório o estudo do cangaço nas escolas e universidades. Não como disciplina, mas como conteúdo da grade curricular de história e literatura.

O cangaço nasceu de um contexto de desigualdade, conflitos de poder e resistência. Com o tempo, deixou de ser apenas história para se tornar também estética, figurino, está referenciado em várias festas e nas quadrilhas juninas. Como você enxerga esse processo do cangaço ter se transformado em símbolo da identidade cultural nordestina?

Trabalhei recentemente na produção de uma novela, Guerreiros do Sol, da Rede Globo e meu departamento foi justamente este da estética. Esse processo é bonito demais, faço [referência] aos grandes artistas que temos atualmente que produzem peças idênticas à época do cangaço.

O cangaço nasceu da dor e da desigualdade, mas com o tempo virou lenda (não algo ficcional, mas muitas vezes beirando a superstição). Hoje ele aparece no figurino, nas quadrilhas juninas, nas músicas, no artesanato. Vira estética, festa, marca de identidade nordestina. É como se o sertão tivesse transformado uma ferida histórica numa bandeira cultural, num orgulho coletivo.

Gostasse? Ajude a Cajueira a continuar valorizando a mídia independente nordestina.

Faça parte da Cajueira!

Recebeu esse material de alguém? Assine nossa curadoria quinzenal de conteúdos do jornalismo independente nos estados do Nordeste.

Inscreva-se em nossa newsletter

Gostasse? Ajude a Cajueira a continuar valorizando a mídia independente nordestina.

Faça parte do CajuZap